Portugal começa a dar os primeiros passos nos estudos da Perturbação do Processamento Auditivo (PPA). Esta disfunção, internacionalmente reconhecida, tem vindo a ser investigada e discutida nas últimas décadas em diversos países como os EUA, Espanha, França, Inglaterra, Itália e Argentina e Brasil.
Cristiane Nunes, diretora clínica do Gabinete Arte de Comunicar, encontra-se há dois anos em Portugal a exercer atividade e a investigar este tema, que ainda é pouco conhecido tornando o seu diagnóstico raro. “É preciso desvelar o grau de conhecimento sobre o processamento auditivo em Portugal e ao mesmo tempo oferecer uma oportunidade para a mudança de paradigma e juízo acerca do tema”, afirma a audiologista.
Segundo as estatísticas da associação americana ASHA, que estuda os processos da fala, linguagem e audição, cerca de 5% das crianças em idade escolar sofre de perturbação do processamento auditivo. A PPA é uma disfunção que ocorre no sistema auditivo e impede a capacidade de analisar e interpretar os sons.
As estruturas do cérebro que os interpretam e hierarquizam desenvolvem-se nos primeiros 13 anos e caso o sistema não seja devidamente estimulado, origina uma mau funcionamento das vias auditivas. Mesmo apresentando uma audição normal, existem sinais clássicos no comportamento de uma criança com PPA, tais como:
- Mostra-se excessivamente distraído;Apresenta reações exacerbadas aos sons intensos;
- Tem dificuldade em acompanhar uma conversa quando várias pessoas falam ao mesmo tempo;
- Tem dificuldade em localizar a origem dos sons;
- Tem dificuldade em pronunciar o “r” e o “l”;
- Tem dificuldade em escutar/entender num local muito ruidoso;
- Solicita a repetição de informações auditivas;
- Tem dificuldades na aprendizagem (especialmente nas disciplinas de Matemática e Português);
- Gaguejar ao falar;
- Tem comportamentos sociais inadequados: muito agitado ou, pelo contrário, quieto demais, isolando-se.
Cristiane Nunes, durante as pesquisas para o seu trabalho, e no convívio com as escolas e pais de crianças com PPA, Cristiane apercebeu-se que esta disfunção auditiva é facilmente confundida com dificuldades de aprendizagem e falta de inteligência ou problemas de comportamento, uma vez que tem implicações no quotidiano escolar da criança.
A falta de estímulos sonoros durante a infância normalmente está na origem desta disfunção. No entanto, os especialistas apontam outras causas:
- Histórico de otites frequentes na primeira infância;
- Alterações neurológicas, como doenças degenerativas ou epilepsia;
- Problemas alérgicos respiratórios, como sinusites e rinites;
- Baixo peso ao nascer;
- Permanência na incubadora;
- Problemas congenitos, como sífilis, taxoplasmose, rubéola ou herpes;
- Perda auditiva neurossensorial nos primeiros anos de vida.
Ao apresentar a disfunção, a criança é encaminhada para o terapeuta da fala, que realiza atividades específicas de treino auditivo. Durante o tratamento ainda podem ser envolvidos outros profissionais de várias áreas, como professores, neuropediatras e psicólogos.
O acompanhamento psicopedagógico da criança pode ser importante no processo, uma vez que em casos graves os maiores danos verificam-se ao nível da auto-estima. Geralmente as crianças sentem se incapazes e ansiosas, tornando-se por vezes agressivas para com os seus companheiros ou têm tendência a isolarem-se.
A especialista já fez cerca de 100 avaliações desde que está em Portugal, exercendo a sua atividade em Braga e Lisboa. A probabilidade de sucesso do tratamento é elevada quando a disfunção é diagnosticada atempadamente, o que já é possível a partir dos seis anos. Cristiane Nunes considera que “ainda há pouca informação dirigida à população e poucos profissionais em Portugal com experiência na área, para avaliarem e tratarem indivíduos com perturbação do processamento auditivo, uma realidade que aos poucos promete mudanças”.